segunda-feira, 8 de março de 2010

Brasil de Fato 03/03/2010 Dafne Melo, da Redação

A partir do dia 8 de março, centenas de mulheres começam a marchar de Campinas (99 km de SP) a capital paulista, em uma mobilização que pretende durar dez dias. Para muitas, porém, a caminhada já começou. "Já estamos em marcha, organizando as caravanas dos Estados e toda a infraestrutura",
explica Sônia Coelho, da Sempreviva Organização Feminista (SOF).

A mobilização faz parte da 3º Ação Internacional da Marcha Mundial de Mulheres, organização que aglutina movimentos feministas nos cinco continentes. No Brasil, diversos movimentos sociais e organizações se juntam à ação, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), a Articulação do Semi-Árido (ASA) e Consulta Popular, dentro outros. O evento tem caráter nacional e conta com a participação de mulheres de todos os Estados brasileiros.

Sônia explica que além de pautar as reivindicações das mulheres, a marcha pretende ser um momento de formação para as militantes. A caminhada acontecerá sempre pelas manhãs e pela tarde serão organizados debates e painéis com temas relativos às lutas mais urgentes do movimento feminista.

Pautas
Dar visibilidade social às pautas feministas e articular movimentos de mulheres de diferentes naturezas em torno de uma plataforma de luta comum são dois dos principais objetivos da marcha, além da criação de espaços de formação politica. A plataforma de luta está centrada em quatro grandes temas: autonomia econômica das mulheres, luta contra violência sexista, luta contra privatização da natureza e dos serviços públicos e paz e desmilitarização.

De acordo com Tatau Godinho, militante da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), os debates e articulações em torno dos temas serão ricos justamente por colocar em um mesmo espaço a perspectiva que mulheres de diferentes setores - estudantil, rural, sindical, do movimento negro, etc -
têm sobre esses temas.

De acordo com Sônia Coelho, as discussões feitas ao longo dos 10 dias devem ser sistematizadas em um texto que deverá ser entregues para os governos federal, estaduais e municipais. "Queremos detalhar essas reivindicações no processo da marcha", aponta Sônia.

A organização espera que pelo menos 2 mil mulheres marchem durante os 10 dias. Toda a estrutura, desde a montagem e desmontagem de barracas, cozinha, organização dos debates será elaborada somente por mulheres.

Auto-organização
Tatau Godinho, militante da MMM, explica que o espaço de formação não se dá apenas nos debates, mas também no próprio processo de auto-organização das mulheres na construção da marcha. "A existência de um movimento de mulheres forte depende de nossa capacidade de auto-organização, por isso a
importância de realizar uma marcha dessa magnitude. Temos dito às companheiras que ainda não sabem se poderão marchar o quanto essa experiência é insubstituível". Sônia Coelho, da SOF, agrega que o momento
também é propício para gerar solidariedade entre as companheiras de diferentes movimentos.

A presença masculina não é proibida durante a marcha, mas a infra-estrutura - alimentação, banheiros, barracas, transporte de bagagem, etc - será oferecida somente às mulheres. "A presença dos companheiros é muito bem vinda nos atos de lançamento e de chegada que vamos organizar", diz Sônia.
"Mas precisamos nos fortalecer entre nós mesmas para enfrentar as desigualdades de gênero que existem na sociedade e que se reproduzem dentro das organizações de diversas formas", finaliza.

África
A 3º Ação Internacional da MMM acontecerá durante todo o ano, mas se concentrará em dois meses: março e outubro. Nesse primeiro mês serão feitas mobilizações nacionais simultâneas. Em outubro, uma ação internacional reunirá militantes de diversos países na República Democrática do Congo, na
região da província de Sud-Kivu, que se centrará na questão da paz e desmilitarização, denunciando a situação a que estão submetidas as mulheres nessa região, onde a violência contra as elas têm sido usada como arma de guerra. "Calcula-se que 70% das mulheres e adolescentes dessa região já
tenham sofrido violência sexual", protesta Sônia Coelho.

Em agosto, na Colômbia, um encontro contra a guerra e pela paz pretende reunir lutadoras de todo continente para discutir a militarização. Na Europa, o encontro ocorrerá em junho, na Turquia, e na Ásia o local escolhido foi Filipinas, onde os debates ficarão em torno da luta contra o livre comércio, instalação de bases militares e tráfico de mulheres.

Leia mais:
Comemoração do Dia Internacional da Mulher completa 100 anos
Escolha do 8 de março está ligada à mobilizações de mulheres na Revolução de
Fevereiro de 1917, na Rússia

03/03/2010
Dafne Melo, da Redação

Por muito tempo acreditou-se que a escolha do 8 de março para ser o Dia
Internacional das Mulheres foi devido à um incêndio em uma fábrica têxtil
nos Estados Unidos que vitimou cerca de 150 trabalhadoras que organizavam
uma greve contra às más condições de trabalho. Até mesmo militantes do
movimento feminista aceitavam essa explicação. Desde a década de 1970,
entretanto, novas pesquisas nessa área têm apontado que a escolha da data
está ligada à história da Revolução Russa. "De fato houve esse incêndio nos
EUA, um acontecimento trágico para o movimento sindical e feminista na
época, mas o incêndio sequer teria ocorrido nessa data", explica Tatau
Godinho, militante da Marcha Mundial de Mulheres.

Ela explica que hoje se tem comprovado pelos documentos que a orientação
para se realizar as comemorações e manifestações internacionais se deu em
1910, numa resolução da Segunda Conferência Internacional das Mulheres
Socialistas, na Rússia, e que não havia uma indicação de data fixa para a
comemoração. A reivindicação central seria o direito ao voto para as
mulheres. Até a década de 1920 do século passado, as feministas realizaram
as lutas em diferentes datas em seus países. Somente em 1922, após a
Conferência Internacional das Mulheres Comunistas é que foi sugerida a data
do 8 de março.

Revolução russa
No antigo calendário ortodoxo russo, o 8 de março corresponde ao 23 de
fevereiro, data que marca o início da primeira fase da Revolução Russa, na
qual o czar Nicolau II renunciou ao poder e a Rússia adotou um regime
republicano. "As mulheres tiveram um peso muito grande nas mobilizações de
fevereiro. Há registros de uma grande greve coordenada pelas operárias do
setor têxtil que teria iniciado essas agitações; elas pediam o fim da
participação da Rússia na I Guerra Mundial, a volta dos militares para suas
casas, e pão", explica Tatau. Essas mobilizações estavam, inseridas dentro
das comemorações do Dia da Mulher e se davam em um momento em que o país
estava mergulhado em uma crise política e era seriamente atingido pela fome.

Alguns dos líderes da revolução fazem referência direta ao fato em seus
textos. "O dia das trabalhadoras em 8 de março de 1917 foi uma data
memorável na história (...) A Revolução de fevereiro começou nesse dia",
escreveu a dirigente feminista Alexandra Kollontai. Leon Trotski, na obra
"História da Revolução Russa", comenta que ninguém poderia prever que o Dia
da Mulher pudesse inaugurar a revolução, desencadeando uma greve de massas.

Resgate
Para Tatau Godinho, resgatar a verdadeira origem do 8 de março é importante
por inúmeros motivos. Primeiro, mostra como a luta das mulheres pode e deve
caminhar junto com a luta por transformações sociais mais profundas.

Segundo, resgata a data como um momento de luta e organização das mulheres
socialistas, devolvendo à comemoração seu conteúdo político. Também por
esses motivos não é difícil imaginar porque a memória histórica hegemônica
aceitou e propagandeou a versão do incêndio da fábrica têxtil nos EUA, e
escondeu sua origem socialista. "Há um esforço de institucionalização e
comercialização da data que coincide com um certo refluxo do movimento de
mulheres socialistas, o que começa a se reverter na década de 1970, quando
se começa a surgir o interesse na verdadeira origem da escolha da data",
finaliza Tatau.

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