quarta-feira, 27 de abril de 2011

A política externa brasileira e a mídia

Anti-EUA ou pró-Brasil? Imprimir E-mail
Escrito por Luiz Eça   
26-Abr-2011
 
"Paz e justiça são as duas faces da mesma moeda", general Dwight Eisenhower.
 
A grande mídia vibra de emoção. O governo Dilma estaria sinalizando uma volta à tradicional política externa do Itamaraty, abandonada pelo governo anterior em favor de um dito "anti-americanismo" que seria prejudicial ao país.
 
Por enquanto, isso não passa de deslavado "wishful thinking" (confusão de desejos com a realidade), mas vale analisar suas premissas. É inegável que o ministro Celso Amorim mudou a orientação geral da nossa diplomacia, que vinha desde inícios do século 20.
 
Nessa época, os Estados Unidos já apareciam como um imperialismo em ascensão, tendo tomado terras do México e da Espanha e intervindo muitas vezes em países da América Latina. Sua política externa baseava-se no princípio "A América para os americanos", do presidente Monroe, e no chamado "corolário de Roosevelt" (tio de Franklin Roosevelt), que defendia o direito das nações "civilizadas" em usar de força militar contra nações "não civilizadas", na defesa dos seus investimentos e créditos bancários.
 
O barão do Rio Branco, então nosso ministro das Relações Exteriores, era francamente favorável ao alinhamento incondicional com os EUA, aceitando inclusive o "corolário de Roosevelt", como, aliás, declarou ao jornal La Nación, em 1906: "Os países que não sabem se governar (...) não têm direito de existir e devem ceder seu lugar a outra nação mais forte, melhor organizada, mais viril".
 
Joaquim Nabuco, seu primeiro embaixador em Washington, foi mais longe: "A doutrina Monroe impõe aos EUA uma política externa que começa a se desenhar e, portanto, a nós todos, também a nossa. Em tais condições a nossa diplomacia deve ser feita principalmente em Washington."
 
Rio Branco era pragmático. Visava destacar-se das republiquetas latino-americanas da época, posicionando o Brasil como "nação civilizada", apoiada na amizade e na proteção da grande república do norte. Para isso, seria preciso seguir a liderança de Washington.
 
Na ocasião, o Brasil já tinha interesses concretos para preservar a boa vontade dos EUA, que era o principal importador de nossos produtos e começava a investir em nosso país.
 
Nos anos seguintes, os EUA tornaram-se, de longe, nosso maior parceiro no comércio exterior, o maior investidor em nossa economia, além de fornecedor de empréstimos em momentos delicados para nosso país. Em troca, o Itamaraty continuou aprovando todas as propostas e ações americanas na política internacional.
 
Apenas episodicamente, o governo brasileiro ousou discrepar aqui e ali. Assim, nos governos Janio Quadros e especialmente João Goulart, com o ministro Santiago Dantas, o Brasil esboçou caminhos próprios, buscou alianças com o terceiro-mundo e até opôs-se à expulsão de Cuba da OEA.
 
Na gestão do presidente Fernando Henrique, o governo uniu-se aos países do Cone Sul na rejeição à ALCA. Que eu lembre, foi tudo. Por fim, com o ministro Celso Amorim, operou-se uma transformação radical. Afinal, as coisas são muito diferentes dos tempos de Rio Branco.
 
Hoje em dia, os EUA já não são mais o maior destino das exportações brasileiras.

A China ganhou esta posição, sendo que a Argentina está praticamente empatada com os EUA. Em 2010, o ranking dos três primeiros importadores era o seguinte: China, 15,5%; EUA, 9,6%; e Argentina, 9,17%. Nesse mesmo ano, os maiores investidores no Brasil foram o paraíso fiscal de Luxemburgo e a Holanda.
 
Além disso, não precisamos mais dos empréstimos dos EUA. Podemos nos dar ao luxo de sermos independentes. Com isso, em diversas situações, nossa diplomacia posicionou-se em campos opostos à dos EUA.
 
Fomos contrários à invasão do Iraque, como, aliás, a maior parte das nações do mundo. Posteriormente, provou-se que a declaração de guerra americana baseava-se em provas falsas, armadas pela CIA, sob influência do gabinete do vice-presidente Cheney.
 
O direito dos palestinos de terem um Estado desenhado pelas fronteiras anteriores a 1967, a proibição de novos assentamentos israelenses na Cisjordânia, a condenação às atrocidades na invasão de Gaza e ao massacre da flotilha de socorro à população de Gaza foram e são decisões da ONU. O Brasil defendeu todas elas - já os EUA, direta ou indiretamente, vêm atuando contra.
 
Nosso país contestou as sanções contra o Irã por considerar não haver provas da existência de um programa nuclear militar. E colaborou para a solução do contencioso com o Ocidente, conseguindo a adesão de Teerã a um acordo (previamente aprovado pelo presidente Obama), que, inesperadamente, acabou desconsiderado pela Casa Branca.
 
No caso da Líbia, o Brasil uniu-se aos países do BRIC e à Alemanha, abstendo-se na votação da intervenção, patrocinada pelos EUA, Inglaterra e França. Tudo indica que fez bem, pois está se chegando a um impasse. As grandes potências concluíram que somente usando a força aérea não derrotarão Kadafi. Teria de haver uma invasão, o que, por enquanto, todos consideram desastroso.
 
Diante de todas estas discordâncias, a grande mídia apressou-se a rotular a política externa do ministro Celso Amorim como "anti-americana". Ecoaram as manifestações nesse sentido de secretários de Estado e congressistas americanos.
 
Todos seguiam um princípio inicialmente defendido por Benito Mussolini: "O con noi, o contro noi" (precisa traduzir?). Repetido, posteriormente, por Hillary Clinton: "Cada nação tem que estar conosco ou contra nós". E, como não podia deixar de ser, por George W.Bush: "Ou vocês estão conosco ou estão com os terroristas".
 
Levando a sério estas declarações, seriam anti americanos todos os países que se opuseram a eles em alguns dos últimos conflitos internacionais, como França (invasão do Iraque, assentamentos, invasão de Gaza, massacre da flotilha), Alemanha (Iraque, Líbia, assentamentos, Gaza e flotilha), Inglaterra (assentamentos, Gaza e flotilha), Rússia e China (Iraque, Líbia, assentamentos, Gaza, flotilha), Turquia (todos estes mais Irã). Para citar só alguns.
 
Ao tomar como inspiradores gente como Mussolini, Hillary Clinton e George Bush, os chefões da nossa grande mídia deveriam levar em conta um velho provérbio inglês; ‘It takes two to tango" (são precisos dois para dançar o tango). Devido às discordâncias entre Brasil e EUA, chamar nossa política externa de anti-americana justifica a recíproca: a política da Casa Branca seria anti-brasileira.
 
Na verdade, sem desprezar a amizade americana – afinal são o maior mercado consumidor do mundo - a política externa do governo anterior não se preocupou em ser anti-nada, apenas independente, buscando defender os interesses e valores do país, a paz e a justiça nas relações internacionais. De acordo com o antigo presidente americano, Dwight Eisenhower, que afirmou que "a paz e a justiça são os dois lados da mesma moeda".
 
Pena que o governo Obama não aprendeu esta lição. Na Palestina, ao defender as violências e ilegalidades israelenses; no Paquistão, com bombardeios de aviões sem pilotos contra talibãs, matando centenas de civis inocentes; em Guantánamo, condenando suspeitos à prisão perpetua, sem direito a julgamento; no Arizona, mantendo Bradley Manning em prisão solitária, por muitos meses, ele levaria nota zero.
 
Luiz Eça é jornalista.
 

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